A convivência com o dinheiro de uma forma quase perversa é um sentimento que assiste, quer a maioria das pessoas, quer as empresas, por consequência: quando existe muito, gasta-se; quando há pouco, corta-se, radicalmente, em tudo. Paradoxalmente, crê-se poder-se pagar menos às pessoas, independentemente de as mesmas acumularem, cada vez mais, responsabilidades e tarefas.
Eis, pois, a variável primeira subjacente à cada vez mais evidente tendência dos nossos tempos: a superficialidade pura – sabemos muito pouco de muito. Como se não fosse suficiente, tudo isto ocorre no novo ambiente de trabalho repleto de interrupções, distrações e de crenças generalizadas de que, repentinamente, tornámo-nos capazes de gerir múltiplas tarefas em simultâneo.
Aliás, por que razão está a ler este artigo no trabalho? Não são suficientes os emails de trabalho, pessoais, janelas abertas com Facebook, LinkedIn e/ou Twitter? Telefonemas de pessoas que, mal as atende, se esquecem do que, aparentemente, era tão importante perguntar? Colegas que passam pela sua secretária para nos questionar se já recebemos o email que acabaram de enviar? Reuniões que começam tarde e acabam ainda mais tarde com pouco ou nada adiantado?
Enquanto escrevo este artigo, já me telefonaram demasiadas vezes, apareceram-me notificações do Facebook, email e Twitter obrigando-me a parar e recomeçar inúmeras vezes. Vou demorar o triplo do tempo para escrevê-lo.
Há uns anos atrás, um contacto internacional importante enviou-me, finalmente, o seu Skype username. Num momento de entusiasmo, ao verificar que ele estava online, iniciei a chamada que seria decisiva. Imaginem a minha surpresa quando ele, não só não atendeu como escreveu numa janela de chat “I don’t remember booking a time”. Pedi desculpa e só tive coragem para falar com ele semanas depois, após prévia marcação, claro.
Para alguns pode parecer falta de educação, mas apercebi-me de imediato que, de facto, quem estava errado era eu: ele tinha sido interrompido desnecessariamente e provavelmente, quer ele, quer eu, não estaríamos verdadeiramente preparados para uma reunião virtual.
A Distração Digital
Algumas empresas já se consciencializaram de que existem demasiadas reuniões, bem como uma dependência do email interno, como forma de comunicação, a qual só agrava a situação. Enquanto algumas empresas abraçam social media, outras bloqueiam tudo forçando os seus colaboradores a utilizarem o seu smartphone ou tablet para aceder às redes que pretendem – o bloqueio não acontece, mas o comportamento muda.
Gloria Mark, docente de Digital Distraction na Universidade de Califórnia, explicou ao WSJ que o típico ser humano só consegue 3 minutos de foco contínuo até que seja interrompido – ou se interrompa a si próprio. Lamentavelmente, poderá levar até 23 minutos para a pessoa conseguir voltar ao que estava a fazer antes da interrupção.
Muitas vezes, são regras simples que podem ajudar a minimizar as distrações e aumentar a produtividade: menos reuniões; reuniões mais organizadas com tópicos a serem discutidos, a começarem a horas e com limite de tempo; emails lidos e respondidos 3 vezes por dia (de manhã, hora de almoço e à tarde); existência de locais de silêncio para quem necessita de terminar algo que exige concentração; e uma dose saudável de respeito pelos colegas de trabalho.
Jamey Jacobs, vice presidente da Abbott Vascular, uma unidade da empresa de health-care, Abbott Laboratories, criou 3 níveis de importância das questões, com as respetivas ferramentas a utilizar para comunicar: questões urgentes e/ou complexas requerem a utilização do telemóvel; questões menos urgentes, mas importantes, utilizam o telefone fixo da empresa ou email; e questões menos urgentes via email, mas no fim do dia. Eu diria mais: questões que não são importantes ou relevantes não deviam ser colocadas em email, mas sim numa intranet interna em locais específicos. Será que todos necessitam de saber que sexta-feira à tarde é dia do bolo e chá?
Já agora, por que se levam smartphones e tablets para reuniões? Por que se veem emails durante uma reunião? Por que se sai constantemente para atender telefonemas urgentes – aqueles que não aguentam mais meia hora? O escritório está arder?
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Todavia, não é só a tecnologia que estorva e embarga a nossa produtividade – um estudo da Universidade de Cornell revelou que o barulho de fundo em escritórios abertos (open spaces) pode aumentar o stress e diminuir a motivação para terminar tarefas especificas. Outros factores também contribuem tal como o cansaço e fome, conforme um artigo no New York Times.
No entanto, enquanto as empresas criticam os seus colaboradores por perderem tempo online e offline, algumas já se aperceberam que a própria empresa tem uma quota parte de responsabilidade. Lacy Roberson, diretora de Learning and Organizational Development na eBay acredita que este problema é mais grave do que se imagina – “It is an epidemic”. Lacy explica que, na maioria das empresa, o desafio de terminar e desempenhar o seu trabalho, com tudo que a empresa permite que aconteça nesse local – tornou a simples tarefa de trabalhar numa missão quase impossível.
Multi-tasking
Um dos mitos mais contra-produtivos é o vulgarmente conhecido como multi-tasking, ou seja, a gestão de múltiplas tarefas em simultâneo. Se por acaso considera que as mulheres são melhores em multi-tasking que os homens, está errado: nenhum dos dois o consegue, pelo menos com resultados satisfatórios.
Enquanto ouve música, recebe emails, atende o telemóvel e prepara a sua próxima apresentação, tudo parece acontecer, ainda que a uma velocidade inferior à desejada. Mas a verdade é que está a perder tempo.
Multi-tasking é algo que todos fazemos no nosso quotidiano. É difícil não fazê-lo, se tivermos em consideração tudo o que temos para concretizar. Com a crise, as empresas aperceberam-se de que, com um jeitinho, até se consegue fazer mais com menos. Na realidade até temos alguma aptidão para gerir múltiplas tarefas em simultâneo – veja o palhaço que consegue andar num monociclo enquanto faz inúmeros malabarismos, contudo, tal só ocorre pois cada passo não exige muito do nosso cérebro.
Infelizmente, os nosso cérebros não estão equipados para gerir múltiplas tarefas que necessitam de alguma concentração e de pensamento. O nosso “RAM”, memória a curto prazo, só consegue reter 5 a 9 itens de uma vez só.
No trabalho, quando necessitamos de gerir duas ou mais tarefas dissimilares, cada uma delas requerendo um nível de reflexão e atenção diferente, multi-tasking não funciona. O nosso cérebro não consegue processar dois ou mais streams de informação em simultâneo, enquanto os codifica para residir na nossa memória de curto prazo.
Algo que não entre na memória de curto prazo tem pouca ou nenhuma probabilidade de chegar à nossa memória de longo prazo para ser reutilizada mais tarde. Se quer aprender, reter informação ou analisar, multi-tasking só o vai atrapalhar.
O resultado está patente na falta de enfoque das pessoas: prazos que não são respeitados; informação que é mal interpretada; falhas de comunicação; falta de detalhe; e uma desmotivação que, na melhor das hipóteses, se resume a algo minimamente aceitável – longe do “awesome” que tantos dizem querer, mas raramente o conseguiram ver.
Não é por acaso que não devemos utilizar o telemóvel enquanto guiamos. Toda a legislação que nos impede atualmente de enviar SMS enquanto guiamos só veio aumentar o número de acidentes – agora as pessoas escondem o telemóvel enquanto guiam e enviam SMSs. Também não é por acaso que não devemos estudar com a televisão, música ou computador ligado só para “termos companhia”. Podemos assumir que não faz mal, pois no fim não nos lembramos das músicas que ouvimos, mas o problema é que também não nos lembramos do que estivemos a tentar reter na memória de curto prazo.
Superficialidade Pura
O resultado está fácil de constatar hoje em dia: muitos a perceber pouco de muito. Ideias sem brilhantismo, estratégias mal pensadas e, acima de tudo, uma maioria que passa a vida a fazer snorkeling, boiando à superfície, somente capaz de mergulhar um pouco mais fundo por pouco tempo, pois rapidamente fica sem oxigénio.
Urge uma organização pessoal e profissional que nos permita, quer nadar à superfície, quer fornecer-nos conhecimento e equipamento para mergulhar cada fez mais fundo, por períodos de tempo gradualmente mais longos, permitindo-nos descobrir o que existe para além da nossa visão normal.
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