Faz quase um ano que estive num encontro de Marketing, numa escola, onde tive o prazer de assistir a uma série de conferências, de relevância variável, mas sempre de alto interesse. Entre divertidas banalidades tremendas (que poderão entreter públicos menos sapientes, sem grandes consequências) e pseudo-revoluções de pensamento, em que alguém se ocupa mais em reinventar a roda de uma forma sexy do que em trazer algo novo, lá se vão encontrando pontos de vista realmente interessantes e que valem a pena ouvir. Porém, onde aparece algo realmente interessante, fresco e possivelmente catalisador de evolução, há sempre um conjunto de pessoas que, não só vive na rigidez e gosta de viver assim, como também aposta todas as suas forças, para além da decência, em destruir pontos de vista que, de alguma forma, considera perigosos, por afrontarem o seu status quo.
Pior: para além de encravar a engrenagem, esta gente é convicta em espalhar o seu vírus aos restantes. Ou seja, a lição a tirar é que é preferível estarmos mal, porque é como nos habituamos a viver, do que arriscar algo novo e eventualmente até conseguir fazer algo melhor. Ouvir, pelo menos, nem sequer é opção. Isto é grave para qualquer um, pois, a um nível mais filosófico, embrutece qualquer um, limitando o seu crescimento pessoal. Para qualquer profissional, é uma sentença de morte, mas é particularmente preocupante quando estas pessoas são professores, uma classe normalmente admirável, directamente responsável pela forma como as gerações que hoje lhes «passam pelas mãos», se irão futuramente comportar no mercado de trabalho; toda a nobreza desta profissão torna-se tenebrosa se esses mesmos professores não têm o cuidado de não passar os seus fetiches e preconceitos a toda essa classe dos que hoje sendo alunos, amanhã, serão, eles próprios, profissionais formados por eles.
Voltando ao nosso encontro de Marketing, tive a oportunidade de ver um exemplo notório do que uma pessoa com este poder de influência – que, pelos vistos, ignora a responsabilidade que pesa sobre si – pode fazer para propagar um determinado preconceito: na fase de perguntas e respostas que acontecem normalmente no fim destes encontros, uma professora de Marketing interceptou uma intervenção de um aluno, dirigida ao orador, em frente a uma audiência mista, composta por alunos e professores da faculdade e pessoas completamente externas à mesma – a começar pelo próprio orador. Substituindo-se ao mesmo, sem ninguém lhe ter encomendado o sermão, a professora respondeu da forma que, de seguida se verá. O aluno, que se identificou como sendo de um curso diferente do de Marketing (Comunicação), perguntou – e muito bem, se me é permitido o parcialismo – algo do género “se a liderança é algo que foi considerado inato durante muito tempo, mas hoje já se sabe que pode ser desenvolvido e até ensinado e aprendido “ (não houvesse hoje todo um mercado para o coaching, acrescento eu) “será que existe alguma coisa que se possa fazer no mesmo sentido em relação à criatividade?”.
Isto era particularmente interessante se tivermos em conta que o orador era apresentado como desempenhando, actualmente, funções de criativo. A professora, sem mais, em prol de um populismo que foi tacitamente compreendido e aclamado pela audiência, decidiu defender a dama dela – se bem que, no meu entender, a sua dama deveria ser a própria faculdade, não um curso em particular em que ela lecciona ou a sua carreira como docente – dizendo “se queres desenvolver a criatividade, frequenta as aulas de Inovação e Marketing”, disciplina do curso de Marketing do qual ela é obviamente docente. Pior: além de despropositada, a auto-promoção descarada fica-lhe tudo menos bem. Ao fazer isto, ela nem sequer se preocupou com a imagem que está a dar de si ou do ambiente que se vive na instituição (que, para bem da mesma, vou ocultar no presente artigo).
A minha sugestão passa por sugerir à professora que pare para pensar se não devia antes fazer como outra docente que, estando na audiência e sendo de outra instituição relacionada, numa pergunta completamente diferente, deu ali, a todos, uma lição de ecumenismo, falando da possibilidade de alunos de várias áreas apresentarem projectos em conjunto, a empresas, no sentido de conquistarem, como equipa de trabalho, estágios conjuntos, em comentário/resposta a vários alunos que queixavam da questão – extremamente pertinente, também, no meu modo de ver – de estes serem constantemente confrontados com a exigência de uma experiência prévia, quando eles querem justamente iniciar a sua carreira. Quando vejo este tipo de comportamentos contrastantes, lembro-me de uma história que li em miúdo, chamada “As Caras Trocadas”, em que duas irmãs viviam nos corpos e vidas uma da outra. Mas o circo ia apenas a meio, pelos vistos.
A segunda nota negativa ocorreu logo na conferência seguinte, que, por coincidência, fechava o ciclo de dois dias dedicado ao Marketing. Um orador é convidado a falar sobre Neuromarketing. Termina a conferência, segue para o espaço das perguntas, supostamente modelado por um outro professor do curso. O professor começa a intervenção, começando por gabar não o orador propriamente, mas, pasme-se… o curso de Marketing da referida faculdade. Sinto que entrei noutra dimensão. O professor – pelos vistos, director do curso de Marketing da instituição (começo a ver um padrão) e na linha da intervenção da colega – não teve qualquer pudor em falar do quanto a média era alta para entrar no bendito curso, o quanto o mesmo era conceituado, considerado o melhor da área (sic)… isto, quando era suposto estar a apresentar o orador – ele próprio, professor noutra instituição do mesmo contexto, que se deslocou, a convite, para ir dar uma conferência ali.
O momento alto da desfaçatez dá-se quando o moderador, sem deixar mais ninguém falar, passa a atacar o orador: primeiro, tentando dar a entender que o Neuromarketing, por ser uma área nova, carece de credibilidade; depois, face ao facto de o orador se defender com uma mestria clara, mostrando, com serenidade que, bem pelo contrário, o Neuromarketing vem substituir toda a falibilidade dos tradicionais estudos de mercado com a certeza de testes baseados em análises biológicas, científicas, socorrendo-se de meios usados pela Ciência e a Medicina, o moderador – que precisava, ele mesmo de ser moderado – perde as estribeiras e atira-se a uma caça-às-bruxas directa, com insinuações que versavam por ideias peregrinas como “isto do Neuromarketing é uma invasão à privacidade”. Mas o que é que estes professores andam a ensinar aos seus alunos? Se isto é assim, abertamente, que será nas suas aulas. Fica o apontamento que, se é assim eu acolhem visitantes e pessoas de outras áreas que decidem visitar as suas iniciativas, as pessoas relacionadas com este curso têm uma maneira estranha de gerir a sua reputação. Se calhar, seria melhor recorrerem a um profissional… de Comunicação.
Se há coisa que deploro e tenho visto tantas vezes, é a maneira como alguns da área do Marketing – sendo que ele próprio é uma área vasta o suficiente para haver lugar para todos – têm vindo a tratar outras áreas relacionadas, nomeadamente áreas como as Vendas, o Design, a Comunicação, a Publicidade, etc… Áreas, que, no geral, se autonomizaram do Marketing ou que surgem da intersecção de noções do Marketing com outras áreas de investigação académica e profissional.
Existe uma ideia bastante acentuada – cultivada no mercado pelos próprios marketeers – de uma qualquer omnipresença e uma suposta omnipotência do Marketing, a que tudo parece reduzir-se. Dizer frases grandes como “Tudo é Marketing” é muito bonito, mas à força de tanto serem marteladas, passam a criar distorções da realidade que me parecem perigosas… agora, é o Neuromarketing que parece estar na mira. Roma parece estar a chamar de herege a todos os que não são Católicos, esquecendo-se que no mundo dos negócios, os animais da selva não se dividem em elefantes e não-elefantes. Todas as áreas de acção e formação são válidas e importantes, e ainda que relacionadas, autónomas. Não são subsidiárias umas das outras. Tratar áreas com as quais trabalhamos directamente e de igual para igual, como subordinadas ou redundantes, não é, afinal… uma boa estratégia de Marketing.
A pensar, meus senhores…
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