No início do século XX, Ivan Pavlov criou uma teoria do comportamento, chamada de Reflexo Condicionado. Essa teoria foi criada depois de testar o modo como o seu cão reagia ao ser alimentado. Primeiro, alimentava o cão enquanto tocava uma campainha. O cão salivava quando sabia que ia ter a sua recompensa em comida. Pavlov repetiu este processo várias vezes até que o cão associasse a comida à campainha. Depois, retirou a comida. E o cão continuou a salivar.
Desde que o Facebook se tornou a híper-estrutura de partilha de informação e caça ao ‘gosto’, que esteve sob auscultação a forma como as páginas e as empresas, instituições ou marcas que as gerem fazem uso desse capital que é o utilizador e o seu potencial de evangelização. Desde cedo, as marcas criaram ações – do meu ponto de vista, pouco elaboradas – da caça ao voto (estamos a chegar às autárquicas, não podia ser mais propício).
Para alguns utilizadores comuns, estas estratégias funcionam, mas para quem analisa o comportamento em redes sociais, isto pode ter pouco ou nenhum efeito, do ponto de vista do consumo – de informação ou de produtos.
Muitas vezes, os likes que os utilizadores colocam em algumas páginas são um tipo de marcador – para não esquecerem, para receberem atualizações sem terem que se preocupar se a informação vem ter com eles ou não, ou para analisar as ações da marca.
Mas quando as marcas pensam nas ações, elas são de índole diversa.
1. Giveaways. Os giveaways costumam funcionar como uma chamada ao like de pessoas que já são fãs – e outras que não -, e de reforço de fidelidade através da oferta. Costuma funcionar para bloggers, nomeadamente de moda, e para algumas marcas –sejam pequenas, muito conhecidas ou em ascensão – baseadas em produto (i.e., um colar, um par de sapatos, etc.), normalmente, mas também em serviços (i.e., um jantar, uma massagem, um salto de paraquedas, etc.).
Há marcas que não se envolvem em ações deste género por questões estratégicas: uma marca de consumo de artigos de luxo não promoverá um giveaway, ou corre o risco de ser considerada “demasiado acessível” e, por isso, embaratecer o seu preço/peso psicológico no mercado. As marcas que participam fazem a entrega da recompensa através de sorteio aleatório (o random.org veio contribuir para clarificar estas questões) – ou escolha de entre os fãs.
2. Fã do Mês. Quando uma página atinge – ou está prestes a atingir – um determinado número de fãs na sua página, costuma tratar a ocasião como se fosse um aniversário. Normalmente, estas celebrações efusivas de entusiasmo – muito na lógica dos sucessos atingidos por equipas de trabalho comercial nos EUA – assemelham-se a festas-surpresa ou sorteios instantâneos. Ocorrem em números redondos – 500 fãs, 1000 fãs ou 1 ano, 2 anos, 1 ano e meio – e podem ou não ter ofertas associadas. O fã que preenche esses requisitos é anunciado na página ou é-lhe oferecida uma lembrança da marca – mesmo que intangível -, e recebe também uma massagem ao ego.
3. Estamos quase lá. Outra ação típica das marcas, nomeadamente das que estão agora a começar na rede, é incentivar os fãs atuais a chamar outros fãs para a rede, de uma forma quantitativa e não qualitativa, que nada tem a ver com conteúdo, mas com estatísticas. Apela-se à amizade, ao sentido de comunidade e colaboração e oferece-se apreço. E os community managers têm números para apresentar à administração das marcas – sorriem e escrevem no livrinho (como mostra o cartoon).
4. Tu Fazes Parte: uma marca pede opiniões, sugestões, votos – nomeadamente para prémios públicos- para a marca. Podem, por exemplo, pedir o nome para um produto, e o fã começa a sentir-se ouvido e a achar que vai dar um contributo importante para o crescimento da marca de que já gosta. O reconhecimento surge com a enunciação da pessoa que sugeriu o nome mais apelativo ou um agradecimento geral a todos os fãs que votaram.
Raramente, estas ações criam engagement real, expressivo e espontâneo. Consequentemente, o planeamento restringe-se apenas a situações de causa-efeito/ estímulo-reacção e produzem muito poucos resultados concretos de facturação ou awareness.
O que têm todas em comum? Há um Pavlov que toca a campainha para que o FaceDog produza saliva. Ou seja, uma marca faz um pedido para que o fã ou utilizador de redes contribua, partilhe, vote, etc. Trata-se, na realidade, de um comportamento típico de Reflexo Condicionado.
O que acontece depois? Às vezes, um Fã recebe o prémio, e os outros continuam a “salivar” à espera que algo aconteça – ou que haja mais ofertas para receber. Os Fãs que recebem prémios tornam-se evangelizadores e continuam a salivar, à espera de mais prémios. Nem sempre esta lógica se aplica a todos os utilizadores, nomeadamente aos mais conscientes, uma vez que há milhares de marcas a fazer exatamente o mesmo e estas ações não passam despercebidas.
O que significa que o utilizador pode inverter o comportamento, e ser um FaceDog Manipulador. Se o capital humano – o Fã do Facebook – é o mais importante para as empresas, o utilizador deve salivar apenas quando lhe apetece: o FaceDog Manipulador pede que comida quer receber, em troca da sua atenção e fidelização genuína, se, realmente, se identifica com a marca, investindo numa relação de qualidade empresa-cliente. A comida será pedida pelo utilizador: melhor serviço ao cliente, melhor atendimento, melhores acabamentos nos produtos, melhor comunicação, mais ética. Ou não há saliva para ninguém.
Mas será que conseguimos impor-nos na ditadura social das marcas?
Este artigo foi testado em animais. 🙂
Imagens de Destaque: Puppet Master by Mini-Zilla e Cartoon Mark Stivers
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