Quando vi Mark Zuckerberg de fato, apercebi-me que algo estava mal, muito mal. A única comparação que consigo fazer entre mim e Zuckerberg (infelizmente) é o nosso odio pelo fato. O meu está reservado para casamentos, funerais e para ir ao banco pedir dinheiro – e temo sinceramente, o dia em que tiver que ir novamente aos últimos dois.
Em São Francisco, há 5 anos atrás, sentado perante uma audiência de fundadores, investidores e mentes brilhantes de Silicon Valley, estava quase hipnotizado com tudo e todos que me rodeavam. Estávamos há 15 minutos à espera do wonderkid, um puto que tinha inventado uma rede social que estava a ter um crescimento quase exponencial – mal sabíamos nós que ele iria redefinir o termo crescimento exponencial. Era a ultima e mais esperada entrevista no palco, do Web 2.0 Summit.
Mas acima de tudo, estávamos à espera das perguntas difíceis que iriam colocar ao fundador do Facebook, por causa da sua nova funcionalidade, Beacon, que demonstrava um total desprezo pela sua audiência, pelos seus seguidores e a privacidade dos mesmos.
É que Zuckerberg conseguiu, com uma simples funcionalidade, expor tudo de todos, sem a mínima preocupação das consequências.
Mas Zuckerberg aprendeu nesse dia que ele próprio se tinha tornado no American Dream, intocável, pois representava as ambições e sonhos de todos aqueles que acreditavam que não existem limites e que vivemos num mundo de infinitas oportunidades e ganhos – Secret.
John Battelle, um jornalista, autor, investidor e cofundador do Web Summit 2.0, teve a honra de estar em palco para entrevistar Mark Zuckerberg, mas mais que honra, Battelle, como jornalista, tinha a obrigação e responsabilidade de fazer aquela pergunta – porque é que Zuckerberg tinha traído a sua comunidade? Mas o jornalista morreu naquele dia. Zuckerberg saiu ileso e com provavelmente a maior lição de todas – com o crescimento do Facebook, veio o poder, e com o poder veio a possibilidade de Zuckerberg conseguir o que sempre procurou – ser amado e respeitado.
John Battelle parece ter acordado do seu sonho, mas para ele e para muitos outros que ficaram para trás, perderam o comboio, e só lhes agora resta mesmo lamentarem-se pelas oportunidades perdidas, mas da forma mais irónica possível, através do aviso que aparentemente todos nós somos responsáveis por este mal: “The web as we know it is rather like our polar ice caps: under severe, long-term attack by forces of our own creation.”
Eu diria, HIS creation, pois pelo menos ele, como muitos outros jornalistas de peso, tiveram a oportunidade de alterar o trajeto.
Mas Zuckerberg tinha agora carta branca para fazer o que quisesses, desde que pedisse desculpa, de forma “humilde” e com toda a “transparência”. Com o crescimento exponencial do Facebook, os seus pedidos de desculpa tornaram-se cada vez mais eficazes, e mais ocos.
Cinco anos depois, Zuckerberg é amado pela sua namorada e pelo Beast (cão mais famoso do mundo). Mas quem o ama mesmo, neste momento, é Wall Street e todos os jornalistas que procuram pageviews como se fossem água e pão – a sua pura sobrevivência depende em cada click, e Zuckerberg e seu IPO é a única alternativa as noticias, que já enjoam, da Apple.
Mas o que aconteceu ao puto genial de Silicon Valley que foi de pijama a uma reunião de investidores só para dar uma mensagem do seu amigo, Sean Parker? O que aconteceu aos seus chinelos, jeans e sweat? Foram esta semana substituídos pelo fato. Não o fato do Superman ou Batman, inventados para salvar o universo, mas sim o fato, inventado pelo mundo corporativo para indicar que a pessoa em questão está pronta, pronta para deixar os valores em torno do dinheiro, muito dinheiro.
Mark Zuckerberg vai vender 30 milhões das suas próprias ações como parte do IPO, ou seja, aquele que sempre lutou por tornar o mundo um lugar mais pequeno, interconectado, vai receber mil milhões de USD, pelo IPO – mas o melhor? Vai manter controlo sobre a sua empresa (57% do voting stock). Isto é genial, e em circunstâncias normais, impossível de conseguir.
Mark Zuckerberg, e o seu novo amigo, o fato, iniciaram esta semana o maior e mais importante roadshow de IPOs de sempre. À porta da sede do JPMorgan, em Park Avenue em Manhatton, o caos instaurou-se. Não era o protesto Occupy – esse faz parte do passado. CNN, NBC, ABC, SKY, e dezenas de outros estações, rádios, fotógrafos e jornalistas esperavam para apanhar umas imagens de Zuckerberg e o seu fato a entraram. Facebook chegou, a Wall Street, e não podia ter chegado a melhor altura. Até a bandeira do Facebook ocupava um lugar central do edifico, com um gigante like ao seu lado.
Tudo isto é o hype necessário para conseguir o objectivo de iniciar a corrida às ações do Facebook, em valores que avaliem a empresa nos €75-100 mil milhões de USD. A importância para Wall Street e para os bancos é enorme, numa altura em que têm todos sofrido com a crise (aquela que ajudaram a criar). Os bancos têm despedido milhares dos seus colaboradores durante estes últimos anos de crise, e com um IPO de sucesso, pelo menos este ano está assegurado – $100 milhões de USD só em fees. E os bancos adoram fees.
Mas não podemos esquecer que estamos a falar de um IPO cujos interesses são meramente dos executivos do Facebook e de Wall Street. Uns poucos que vão fazer muito dinheiro, mas da forma como o sempre fizeram, a custo dos muitos outros que vão acreditar, falsamente, no futuro do Facebook.
Continuam demasiadas perguntas por responder, muitas dúvidas sobre como uma rede de este tamanho consegue sobreviver, mas acima de tudo continuo a dizer que os números não fazem sentido. E quando vejo agora um envolvimento de Wall Street e o fundador do Facebook de fato, não compreendo porque não existem jornalistas a questionarem e analisarem este IPO. Eu não sou jornalista, não tenho os recursos nem o know-how para encontrar as respostas, mas fico com a sensação que algo está errado, muito errado.
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